domingo, 7 de fevereiro de 2016


Buraco

Naquela casa todos jogavam buraco. Era quase que uma senha para pertencer a nossa gente, um ritual de passagem para amigos e namorados que se aventurassem a querer ser um dos nossos . Crianças , junto com a alfabetização e as primeiras letras vinha o conhecimento do que eram canastras, trincas, reis e damas. Todos queriam pegar o morto que vinha cheio de novidades  e sem o qual perderíamos cem pontos. Jogávamos entre nós numa mesa separada dos adultos, mas quando lhes faltava um parceiro poderíamos ser convocadas , o que era sinal de muito orgulho, sentar na mesa dos adultos e jogar como gente grande . Nestes dias , ficávamos até tensas e preocupadas em fazer bonito e não deixar que a distração sabotasse nossa iniciação naquele mundo, o que poderia ocorrer se descartássemos  uma canastra ou um curinga aos nossos adversários. E como a sorte sempre sorri aos principiantes , nossa iniciação era quase sempre triunfal !
Quando crescíamos, nossos amigos e namorados também passavam pelo ritual de iniciação na mesa de buraco. E passávamos noites , cheios de paixão e desejo , com o coração acelerado , esperando o valete de copas que completaria nossa canastra real .
Na mesa , água, às vezes pipoca, poderia ter coca cola e cerveja pros adultos , mas isso não era necessário .... Ah ! E café, que era pra espantar o sono . Sempre  uma musiquinha de fundo , Elis , Vinicius, Chico, Toquinho ou algum outro ilustre representante da música brasileira . E  entre os descartes, as trincas, o cobiçado morto e os curingas, discutíamos religião, política, futebol , conceitos , preceitos, normas e dogmas.... Às vezes as discussões se tornavam calorosas, mas nada que uma breve chamada á razão , (olha a canastra na mesa ), não pudesse conter ! E meu pai, que segundo minha mãe era quem mais gostava de jogar, ia dando o ritmo da sua toada com sua risada fácil e suas eternas cobranças para que o parceiro ficasse atento, comprasse a mesa, descesse tudo ou pegasse o morto.
Ficávamos assim nos fins-de-semana , entre nós e as cartas numa convivência aconchegante e protetora onde pra além da malícia do jogo aprendíamos muito sobre nós e sobre os nossos criando entre nós  uma grande intimidade  uma gostosa convivência.
M Isis

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